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CONJUNTURA DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL
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Usos da Água

A água é insumo essencial para diversos fins como industrial, agrícola, humano, animal, transporte, lazer e geração de energia. Cada uso da água possui peculiaridades ligadas à quantidade e à qualidade, e altera e/ou depende das condições das águas superficiais e subterrâneas. Os usos podem ser classificados em consuntivos (que consomem água) e não consuntivos (não consomem diretamente, mas dependem da manutenção de condições naturais ou de operação da infraestrutura hídrica).

Usos da Água no Brasil

O uso consuntivo setorial no Brasil ocorre principalmente para irrigação, abastecimento humano (urbano e rural), abastecimento dos rebanhos, indústria, geração termelétrica e mineração. Já a evaporação líquida de reservatórios é o mais relevante uso consuntivo múltiplo da água. O conhecimento acerca desses usos vem sendo constantemente ampliado por meio de estudos setoriais e cadastros de usuários, e é atualizado anualmente no Relatório Conjuntura.

Usos como navegação, pesca, recreação, turismo e lazer não captam água diretamente, ou seja, são não consuntivos. Porém, estão interligados na bacia hidrográfica ou em sistemas hídricos específicos aos demais usos, e a certo nível de manutenção das condições naturais ou de operação da infraestrutura hídrica (reservatórios, canais, adutoras), já que dependem de água em quantidade e qualidade.

Evolução das Demandas no Brasil

A demanda de água no Brasil vem crescendo continuamente ao longo dos anos, com destaque para o abastecimento das cidades, a indústria e a agricultura irrigada. A retirada para irrigação aumentou de 640 para 965 m³/s nas últimas duas décadas e representa aproximadamente 50% da retirada total pelos usos consuntivos setoriais de água em 2020 - esse setor tem grande potencial de expansão e continuará liderando o crescimento das retiradas.

Com isso, é estimado um aumento de 42% das retiradas de água nos próximos 20 anos (até 2040), passando de 1.947 m³/s para 2.770 m³/s, um incremento de 26 trilhões de litros ao ano extraídos de mananciais. Esses dados reforçam a necessidade de ações de planejamento para que os usos se desenvolvam com segurança hídrica, evitando crises hídricas e proporcionando os usos múltiplos da água, principalmente quando considerados os efeitos das mudanças climáticas no ciclo da água.

Esses valores tendenciais podem ser acelerados por conjunturas econômicas mais favoráveis que as projetadas e por modificações mais profundas no planejamento dos setores econômicos. As mudanças climáticas tendem a acelerar alguns usos, especialmente na agropecuária e na agroindústria. A demanda para a irrigação pode ter um acréscimo de até 15% em 2040 em relação à demanda tendencial (clima médio atual). Nas regiões de irrigação mecanizada (excluindo o arroz sob inundação), a demanda pode ter um acréscimo médio de 20% nesse cenário mais crítico.

Usos Setoriais da Água nas UGRHs

As maiores demandas de água no Brasil ocorrem nas UGRHs São Francisco, Paraná, Uruguai, Tocantins-Araguaia, Paranaíba e Grande. Essas regiões permanecerão liderando o crescimento dos usos, especialmente pela expansão da irrigação mecanizada, da agroindústria e das cidades. Com isso, a interdependência de mananciais e as grandes transferências de água tendem a ser cada vez mais necessárias e complexas.

Evaporação de Reservatórios

Os reservatórios artificiais são essenciais para o incremento da oferta hídrica de uma bacia hidrográfica, sendo parte da solução para situações de escassez. Por outro lado, a instalação de um reservatório também incrementa o uso da água na bacia, tanto por atrair usuários para o lago e para os trechos beneficiados pela regularização, quanto pelo efeito da evaporação líquida. A evaporação líquida representa uma extração de água, uma perda inerente que gera indisponibilidade para outros usos, inclusive para o uso primário motivador da existência do reservatório. Por isso, a estimativa de evaporação líquida faz parte das ações de planejamento e operação dos setores usuários, assim como da análise de viabilidade dos projetos de reservação.

A evaporação líquida de reservatórios artificiais foi estimada para o Brasil e é dada pela diferença entre a evaporação real do reservatório (evaporação bruta do lago) e a evapotranspiração real esperada para a mesma área caso não existisse o reservatório. Contabiliza, portanto, o uso de água adicional causado pelo reservatório, em função das condições ambientais locais e das suas características de construção e operação.

Os reservatórios artificiais atendem diversos usos como a irrigação, abastecimento público, dessedentação animal, geração de energia hidrelétrica, navegação, pesca, turismo, lazer e acumulação de rejeitos. Alguns grandes reservatórios de acumulação são criados com o objetivo de armazenar água e regularizar intra e interanualmente a disponibilidade hídrica para fins diversos, inclusive para outros reservatórios a jusante.

Agricultura Irrigada

A irrigação é o principal uso da água, em quantidade retirada, no Brasil e no mundo. Esse uso corresponde à prática agrícola que utiliza um conjunto de equipamentos e técnicas para suprir a deficiência total ou parcial de água para as culturas, e varia de acordo com a necessidade de cada cultura, tipo de solo, relevo, clima e outras variáveis. Normalmente, a irrigação permite uma suplementação do regime de chuvas, viabilizando o cultivo em regiões com escassez mais acentuada de água, como o Semiárido, ou em locais com períodos específicos de seca, como a região central do Brasil. Atualmente, o Brasil possui 8,5 milhões de hectares (Mha) equipados para irrigação, 35% destes com fertirrigação com água de reuso (2,9 Mha) e 65% com irrigação de água de mananciais (5,5 Mha). O Atlas Irrigação apresenta um detalhamento de indicadores atuais e de potencial de expansão da atividade no Brasil.

Abastecimento Urbano

O segundo maior uso quanto a retirada de água é o abastecimento urbano, com 25% do total em 2020. Este uso ocorre de forma concentrada no território nos aglomerados urbanos, acarretando crescente pressão sobre os mananciais e sistemas produtores de água, aumentando a complexidade e a interdependência de soluções de abastecimento.

O Atlas Águas: Segurança Hídrica do Abastecimento Urbano, elaborado pela ANA com a colaboração dos prestadores do serviço e de parceiros institucionais, apresenta indicadores detalhados de diagnóstico e o planejamento da segurança hídrica para todas as cidades. Cerca de 57% das cidades onde vivem 153 milhões de habitantes (85% da população urbana) depende, exclusiva ou predominantemente, de mananciais superficiais. É o caso de grandes centros populacionais como as aglomerações urbanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza e Porto Alegre. Abastecendo 15% da população, os mananciais subterrâneos são a forma exclusiva ou predominante de abastecimento de cerca de 2.500 sedes urbanas (43% das cidades).

Lançamento de Efluentes

O lançamento de efluentes nos corpos d’água, predominantemente de esgotos domésticos, é outro uso a ser considerado, pois indisponibiliza demais usos da água devido à poluição hídrica, agravando o quadro de criticidade. O déficit de coleta e tratamento de esgotos nas cidades brasileiras tem resultado em uma parcela significativa de carga poluidora chegando aos corpos d’água, trazendo implicações negativas à saúde da população e dos ecossistemas aquáticos e aos usos múltiplos dos recursos hídricos.

Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) para 2019, 61,9% da população urbana do País tinha acesso a rede coletora de esgotos, sendo que 54,1% do volume total coletado recebia tratamento. No Brasil, há registro de 3.668 Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs), localizadas em 2.007 municípios. A média de eficiência da remoção de DBO nas ETEs é de 74%, e das soluções individuais (fossas sépticas) é de 60%. As ETEs atendem basicamente sedes municipais, enquanto as soluções individuais atendem principalmente a população rural. Essa parcela tem crescido consideravelmente, sendo que em 2019, 20% da população brasileira era atendida por fossas sépticas.

Em 2020, foi publicado o encarte do Atlas Esgotos: Atualização da Base de Dados para as Estações de Tratamento de Esgotos no Brasil, com revisão das ETEs e atualização dos índices de esgotamento sanitário municipais. Dentre as ETEs, existem 19 Estações de Pré-Condicionamento (EPCs), que utilizam a capacidade de diluição e autodepuração do mar ou de rios de grande vazão, como na bacia Amazônica. Apesar da capacidade de diluição desses corpos receptores ser praticamente ilimitada, pode haver impactos ambientais localizados na região do lançamento e implicações na balneabilidade, especialmente quando ocorrem mudanças nas condições meteorológicas e oceanográficas típicas.

Instituído em 2001, o Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas (PRODES) é um programa da ANA voltado para o setor de saneamento, que objetiva estimular a despoluição de bacias nas áreas onde são registrados os maiores índices de deterioração da qualidade dos corpos hídricos. Ao analisar a remoção por bacia hidrográfica, a UGRH PCJ foi a que mais colheu benefícios ao longo dos 20 anos do programa, com uma remoção total de 55 mil toneladas de DBO. Boa parte das ETEs contempladas estão localizadas em cidades onde a geração de efluentes é mais expressiva, como Piracicaba, Campinas, Rio Claro e Bragança Paulista. A remoção de carga (DBO/ano em toneladas) referente às ETEs que receberam algum recurso do PRODES representou 22,1% da carga total removida.

Em 2020, em função da pandemia de Covid-19, a ANA, em parceria com outras instituições, iniciou um projeto de monitoramento da presença do coronavírus nos esgotos das cidades de Belo Horizonte e Contagem, em Minas Gerais. Em 2021 o projeto foi expandido para uma Rede Covid Esgotos, incorporando o monitoramento em Fortaleza, Recife, Curitiba, Rio de Janeiro e Brasília. O acompanhamento semanal das concentrações detectadas é disponibilizado em painel de acompanhamento específico, permitindo a tomada de decisão visando ações de prevenção e definição de áreas mais críticas quanto à evolução da pandemia.

Indústria

A indústria pode ser classificada em extrativa e de transformação, sendo que a mineração é a indústria extrativa de maior consumo de água no Brasil. A indústria de transformação representa 9% do total de água retirado em 2020, e a mineração 1%. As tipologias da indústria da transformação que mais se destacam quanto ao uso de água são: sucroenergética, papel e celulose, abate e produtos de carne e bebidas alcoólicas. O setor sucroenergético respondeu por 40% da demanda industrial em 2020 e é, ao mesmo tempo, o setor econômico que mais reusa seus efluentes na irrigação e na fertirrigação dos canaviais.

A maior concentração das indústrias de transformação no Brasil está no Sudeste, seguido do Sul. As UGRHs de maior destaque na produção industrial são a Paraná, Grande, Paranapanema e Paranaíba. Somente a UGRH Paranapanema possui mais de 20 mil indústrias distribuídas em 99 segmentos de atividade econômica.

Uso Animal

No uso animal destaca-se a demanda para criação de bovinos, os quais representam 87% do uso para criação animal em 2020 (161,8 m³/s). O consumo de água diário para pecuária varia significativamente em função da espécie animal. O tamanho e estágio de desenvolvimento fisiológico são fatores determinantes na demanda hídrica, sendo ainda influenciados pelas condições ambientais e de manejo.

As UGRHs Tocantins-Araguaia, Madeira, Paraná, Paraguai, Paranaíba, São Francisco e Uruguai se destacam pela criação de bovinos. Quanto aos outros tipos de rebanho, há relevância na criação de suínos nas UGRHs Uruguai e Paraná, concentrada na região Sul. A maior demanda para criação de caprinos e ovinos está na UGRH São Francisco, de aves na UGRH Paraná, de equinos na UGRH Tocantins-Araguaia e de bubalinos na UGRH das Bacias Litorâneas do Amapá.

Geração Elétrica

A geração de energia hidrelétrica também é um importante uso da água. Em outubro de 2021, o Brasil possuía 1.373 empreendimentos hidrelétricos em operação, sendo 730 CGHs, 424 PCHs e 219 UHEs. Os dados da evolução da capacidade de produção de energia elétrica instalada no Brasil, consideradas todas as fontes de energia, mostram que em 2020 houve um acréscimo de 4.932 MW na capacidade total do sistema. Os maiores incrementos foram decorrentes da geração eólica e termelétrica. Desse acréscimo, 178 MW foram referentes à geração hidrelétrica, destacando-se 17 PCHs (176,8 MW). Em outubro de 2021 a capacidade instalada do Brasil era de 180.198,9 MW.

No Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2030, foram consideradas como usinas candidatas para expansão da oferta aquelas com estudo de viabilidade técnico-econômica em andamento, cujos prazos estimados de todas as etapas de projeto, licenciamento ambiental, licitação e construção permitissem o início de sua operação no horizonte decenal. Nesse sentido, a cesta de oferta de projetos hidrelétricos é composta pelas UHEs Davinópolis (74 MW) em 2027, Apertados (139 MW), Castanheira (140 MW) e Ercilândia (87 MW) em 2028 e Telêmaco Borba (118 MW), Comissário (140 MW) e Tabajara (400 MW) em 2029.

Outros Usos da Água

A mineração e a termeletricidade apresentam menor proporção no uso da água nacional, mas ocorrem de forma mais concentrada no território, com potencial impacto no balanço hídrico local. A termeletricidade tende ainda a apresentar concentração sazonal, no período de menor geração hidroelétrica, embora a maior parte da água consumida retorne aos corpos hídricos. Já o abastecimento humano rural ocorre tanto de forma difusa quanto concentrada nas vilas e aglomerados rurais, além de ocorrer muitas vezes em áreas de baixa disponibilidade hídrica.

O mapeamento dos usos consuntivos, por serem atualmente sujeitos a outorga e outros instrumentos de gestão, tem avançado, em articulação com estudos setoriais específicos. Já o mapeamento dos usuários não consuntivos é um desafio no planejamento e na gestão de recursos hídricos, pela inexistência de cadastros ou bases oficiais abrangentes.

No âmbito da implementação do Plano de Recursos Hídricos da UGRH Paraguai, por exemplo, foram desenvolvidos estudos de avaliação dos efeitos da implantação de empreendimentos hidrelétricos sobre a pesca e o turismo – dados inéditos que contribuíram decisivamente para o zoneamento proposto (áreas com e sem conflito potencial) e as tomadas de decisão. Dados mais detalhados e publicações específicas sobre os usos da água no Brasil podem ser acessados no SNIRH.